Ao Podcast do Correio, o ministro Gilmar Mendes, decano do STF, afirma que o sistema jurídico das democracias constitucionais impõe limites aos movimentos de contestação à autoridade da Suprema Corte
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, está convencido de que, apesar do clima de tensão e dos episódios de violência política, a eleição deste ano está correndo dentro da normalidade. “Esses ataques e as mortes de pessoas abalam. Por outro lado, no geral, nas movimentações de rua, o processo está correndo dentro do previsto”, observou o magistrado, durante participação no Podcast do Correio.
O ministro considerou que as medidas preventivas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — como a restrição de armas de fogo no dia da eleição, o cerco a propagandas mais agressivas e às mentiras e desinformações — contribuíram para manter as regras do jogo democrático. Reconhece, porém, que a democracia vem sendo testada em vários locais do mundo — citou diversos países da Europa e os Estados Unidos, onde ocorreu a “lamentável” invasão do Capitólio. “Estamos vivendo um momento singular na democracia tal qual a conhecemos”, comentou o ministro, ao analisar a ascensão de forças políticas intolerantes com o Estado Democrático de Direito.
Gilmar lembrou, no entanto, que regimes constitucionais são pautados pela lei, e não por paixões políticas. “A democracia constitucional envolve limites. As pessoas vão, votam, delegam poderes às autoridades. Mas essas também estão condicionadas pelo sistema jurídico constitucional. As instituições não são um decalque da vontade do presidente da República”, ressaltou o decano do Supremo.
Em contraponto aos movimentos de tendência autocrática, Gilmar lembrou que os integrantes do Congresso têm mais votos somados do que o chefe do Executivo. “O presidente não tem maior legitimidade do que o Parlamento. É preciso olhar nessa perspectiva. Mas fazem ablação disso tudo. Eliminam todas essas considerações e dizem: o importante é a vontade do presidente”, criticou.
Na avaliação do ministro, o momento político conturbado é uma das consequências da Operação Lava-Jato. A força-tarefa contribuiu para despertar um sentimento de aversão à política tradicional, e isso pavimentou a eleição do presidente Bolsonaro (PL). “A débâcle da política tradicional nos trouxe a essa situação”, comentou.
Por causa disso, o magistrado enxerga que as divergências políticas devem se manter por mais algum tempo, independentemente que quem ganhar a corrida para chegar ao Palácio do Planalto.
Gilmar salientou que os ataques de apoiadores do presidente ao STF, sob a acusação de não deixar Bolsonaro governar, vêm de uma minoria barulhenta, mas articulada. “Vêm de membros sectários do presidente. Talvez até seja um erro de avaliação fruto dessa massiva propaganda de que o Supremo atrapalha, ameaça a democracia, não deixa o presidente governar”, observou.
E deixou claro que tal narrativa é mentirosa ao exemplificar com a atuação do STF durante a pandemia de covid-19. Gilmar lembrou que o Supremo, em vez de impedir o governo de agir, apenas reafirmou a responsabilidade compartilhada de União, estados e municípios em momentos de crise sanitária. O campo de ação do presidente para gerir o país naquele período mais agudo sempre esteve preservado.