domingo, novembro 24, 2024
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Governo quer reforçar Agência de Mineração contra sonegação bilionária

Concurso com 220 cargos na ANM foi autorizado

O Ministério de Minas e Energia (MME) informou à Agência Brasil que negocia com o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) a criação de mais de 100 cargos em comissão “que deverão ser disponibilizados em breve” para reforçar a estrutura da Agência Nacional de Mineração (ANM) e auxiliar no combate contra a sonegação bilionária de impostos do setor mineral identificada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Além disso, o ministério lembrou que foi autorizado concurso público para o preenchimento de 220 cargos  na ANM. De acordo com a Portaria 4.596 do MGI, a Agência de Mineração tem até o dia 16 de janeiro de 2025 para publicar o edital do concurso.

Estima-se que o Estado brasileiro deixou de arrecadar – em oito anos – cerca de R$ 16,4 bilhões em impostos da mineração por causa de falhas na fiscalização e na cobrança dos impostos do setor, responsabilidades da ANM. Nesse cenário, o TCU cobrou que a ANM adote medidas e ações para minimizar o problema da sonegação na mineração.

O acórdão do TCU aponta que quase 70% dos mais de 30 mil processos ativos de mineração não pagaram espontaneamente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) entre 2017 e 2022. Além disso, de 134 processos fiscalizados pela ANM, apenas 40% pagaram o tributo devido, que é feito por autodeclaração das mineradoras.

Pertinente

Segundo o MME, a fiscalização do TCU foi “pertinente e adequada” e citou que a ANM foi criada em 2017 com a promessa de ter estrutura suficiente para o desempenho de suas atividades.

“Ao contrário do que foi prometido, o cenário que se constatou no início de 2023 era de salários dos servidores incompatíveis com os das demais agências reguladoras, déficit de servidores públicos concursados, cargos em comissão incompatíveis com as responsabilidades dos servidores e falta de orçamento adequado”, informou o ministério.

Antes de virar uma agência reguladora, a estrutura de fiscalização da mineração era um departamento dentro do Ministério de Minas e Energia.

O MME destacou, também, que o governo alterou, ainda em 2023, o Plano de Cargos da ANM para equiparar os salários dos servidores com os das demais agências reguladoras. “Os salários na ANM eram entre 40% e 60% mais baixos que os praticados nas outras agências”, disse a pasta.

Além disso, o governo autorizou no primeiro semestre de 2023 a nomeação de 64 novos especialistas em recursos minerais para atuar na fiscalização de barragens. “Tais ações representam um reforço significativo na capacidade da ANM de regular e fiscalizar o setor mineral brasileiro”, acrescentou o ministério.

Ele prometeu, ainda, atender recomendação do TCU e produzir, no prazo de 180 dias, estudos para definir prioridades e objetivos para adequar o orçamento da ANM com um plano de ação para solucionar ou reduzir as dificuldades enfrentadas pela entidade.

“O MME reforça seu compromisso em estruturar a ANM, em especial para garantir a eficiência da concessão mineral no tocante a geração de empregos, renda, geração de valor para comunidade onde se dá a mineração, segurança e sustentabilidade”, finalizou o ministério, em nota.

Desmonte

A investigação do TCU identificou que a Agência Nacional de Mineração vem passando por um processo redução de servidores e de queda nas fiscalizações do setor mineral, além de apontar falhas nas questões de automação de processos que limitam a fiscalização e permitem que o setor empresarial mineral sonegue bilhões de reais em impostos todos os anos.

Entre 2010 a 2023, o quadro de pessoal herdado pela ANM foi reduzido de 1.196 para 695 servidores, ou seja, queda de 41,9% da força de trabalho. Em paralelo, a Controladoria-Geral da União (CGU) calculou uma queda de 92% no número de fiscalizações realizadas pela ANM. De 2.184 fiscalizações da Cfem em 2014, a ANM realizou apenas 173 fiscalizações em 2019.

O ministro relator do processo no TCU, Benjamin Zymler, concluiu que a arrecadação da mineração depende essencialmente da boa-fé das empresas. “Porém, não existem instrumentos para persuadi-los, uma vez que a estrutura fiscalizatória da ANM é incapaz de gerar a expectativa de controle no setor regulado e, mesmo após as poucas fiscalizações, não se logra efetividade na cobrança”, disse Zymler.

TCU estima que Brasil deixou de arrecadar R$ 16 bi em impostos de mineração

Estima-se que o Estado brasileiro deixou de arrecadar, em oito anos, cerca de R$ 16,4 bilhões em impostos da mineração por causa de falhas na fiscalização e na cobrança dos impostos do setor. O valor sonegado – que poderia ir para saúde e educação públicas – representa cerca de 55% do déficit primário previsto pelo governo para este ano, estimado em R$ 28,3 bilhões.

Nesse cenário, o Tribunal de Contas da União (TCU) cobrou que a Agência Nacional de Mineração (ANM) adote medidas e ações para minimizar o problema da sonegação na mineração, setor que representou entre 2,5% e 4% do PIB brasileiro nas últimas décadas.

O plenário do TCU determinou, entre outras medidas, que a diretoria-geral da ANM apresente, no prazo de 60 dias, um plano de ação para desenvolver um sistema de arrecadação e cobrança dos tributos da mineração. “E colocá-lo em pleno funcionamento no menor prazo possível, detalhando prazos para implementação de cada módulo do sistema”, diz o documento do Tribunal sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler.

O ministro relator concluiu que a arrecadação da mineração depende essencialmente da boa-fé das empresas. “Porém, não existem instrumentos para persuadi-los, uma vez que a estrutura fiscalizatória da ANM é incapaz de gerar a expectativa de controle no setor regulado e, mesmo após as poucas fiscalizações, não se logra efetividade na cobrança”, disse. Zymler.

O TCU destacou ainda que a auditoria foi limitada por falhas nos sistemas de tecnologia de informação da ANM. “Não existem, por exemplo, procedimentos automatizados de cruzamento de dados da arrecadação com informações do relatório anual”, informou.

O diretor do Observatório da Mineração e mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Maurício Ângelo, lembrou que os minerais são recursos finitos e que, de acordo com a Constituição, essa é uma riqueza do Estado brasileiro e que deve ser revertida em benefício da sociedade.

“É absurdo que o país deixe de arrecadar bilhões e bilhões sistematicamente porque a ANM não tem equipe e estrutura adequada, além de não ter independência em relação às empresas. As mineradoras também acabam fazendo o lobby e usam inúmeras estratégias para não pagar os valores devidos. Enfim, são subterfúgios jurídicos, fiscais e tributários que as empresas usam”, completou.

O TCU também alertou os ministérios de Minas e Energia (MME); da Gestão e Inovação (MGI) e comissões da Câmara e do Senado de que a falta de estrutura da ANM inviabiliza a fiscalização do setor. “Há indícios de que os ganhos advindos da estruturação da ANM superam, em larga margem, o investimento necessário em recursos humanos e na modernização dos recursos de tecnologia da informação”, afirma o acórdão do Tribunal

Seis servidores

O acórdão do TCU aponta que quase 70% dos mais de 30 mil processos ativos de mineração não pagaram espontaneamente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Mineirais (Cfem) entre 2017 e 2022. Além disso, de 134 processos fiscalizados pela ANM, apenas 40% pagaram o tributo devido, que é feito por autodeclaração das mineradoras.

O TCU estima que até R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados entre 2014 e 2021. Além disso, outros R$ 4 bilhões de receita potencial deixaram de ser arrecadados por créditos prescritos entre 2017 e 2021. Isso porque a ANM não adotou as providências previstas para a cobrança desses valores. Outros R$ 20 bilhões correm o risco de também serem prescritos.

“A equipe atual do contencioso da Cfem, composta por seis servidores e um chefe, é insuficiente para analisar o passivo processual de aproximadamente 12 mil processos de cobrança de Cfem, o que pode implicar a decadência de aproximadamente R$ 20 bilhões de créditos já lançados”, diz o acórdão do TCU.

O Tribunal de Contas destaca que o quadro de pessoal da ANM sofreu grande redução nos últimos anos. Entre 2010 a 2023, o quadro de pessoal herdado pela ANM foi reduzido de 1.196 para 695 servidores, ou seja, queda de 41,9% da força de trabalho. Segundo a ANM informou ao TCU, seriam necessários mais 200 servidores para que a demanda de fiscalização fosse atendida.

“Segundo a ANM, o quadro atual de servidores corresponde ao seu menor efetivo desde a edição do atual Código de Mineração, em 1967, e ao maior déficit de pessoal de todo o serviço público federal”, diz o TCU, acrescentando que a estrutura organizacional de cargos da ANM deveria ser compatível com a das maiores agências reguladoras, mas é menor do que a da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e só supera a da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)..

O especialista Maurício Ângelo, do Observatório da Mineração, destacou que a ANM virou uma agência recentemente, em 2017, herdando uma estrutura que veio do Ministério de Minas e Energia.

“Essa migração não aconteceu da melhor maneira possível. Você vinha de um departamento já sucateado, com seus problemas, com déficit de servidores, e virou uma agência reguladora que tem outras características, outras atribuições. Isso comprometeu bastante a atuação da ANM”, comentou.

Fiscalização

A Controladoria-Geral da União (CGU) calculou uma queda de 92% no número de fiscalizações realizadas pela ANM. De 2.184 fiscalizações da Cfem em 2014, a ANM realizou apenas 173 fiscalizações em 2019.

“Não basta simplesmente aumentar a dotação orçamentária, pois a ANM já está no limite da sua capacidade de execução orçamentária, em razão da escassez de pessoal e da falta de estrutura”, afirmou o TCU.

O Tribunal calculou que a mineradora mais beneficiada pelo não pagamento dos créditos prescritos foi a Vale, que deixou de pagar R$ 2,86 bilhões. Somente em 2023, o lucro líquido da Vale foi de R$ 39,9 bilhões.

O ministro revisor do processo, Augusto Nunes, destacou que diversas estratégias são empregadas para burlar a fiscalização. “Falsificam-se notas fiscais, conhecimento de transporte, ou são apresentadas guias de utilização com dados diversos da lavra de onde provém o minério, ou ainda são misturados minérios extraídos ilegalmente no meio de cargas com grandes volumes de minérios legalmente extraídos”, explicou o ministro.

Nunes acredita que os prejuízos são ainda maiores que os estimados pelo TCU porque a fiscalização, além de ser em número irrisório, são feitas em sua maioria mediante visitas simples aos escritórios das mineradores, “e não por meio de inspeções aos campos de mineração propriamente ditos – as chamadas fiscalizações in loco –, nas quais inconsistências podem ser mais facilmente identificadas a partir da análise dos livros fiscais e das etapas do processo produtivo”, completou.

ANM e mineradoras

Procurada, a Agência Nacional de Mineração (ANM) disse que não iria comentar a decisão do TCU. A reportagem também procurou os ministérios de Minas e Energia e de Gestão e Inovação e o espaço está aberto para posicionamento.

A Agência Brasil procurou ainda o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para comentar o tema e aguarda retorno. O Instituto, que representa as empresas de mineração no Brasil, é hoje presidido pelo ex-ministro extraordinário da Segurança Pública do governo de Michel Temer, Raul Jungmann, e tem como vice-presidente o ex-ministro da Defesa do governo de Jair Bolsonaro, general Fenando Azevedo e Silva.

Fonte: Agência Brasil

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