Economista José Roberto Mendonça de Barros diz que mercado estava excessivamente otimista e ‘capitulou’ diante de uma piora no cenário sem horizonte de reversão no curto prazo.
Os manifestos assinados nas últimas semanas por empresários, figuras do agronegócio e do mercado financeiro são o lado visível de um “desembarque silencioso” de parte da elite econômica da base de apoio do governo Bolsonaro.
Quem faz a avaliação é o economista José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1995 e 1998, fundador da consultoria MB Associados, em funcionamento desde 1978, e membro do conselho de diferentes empresas.
O “desencanto” de parte do mercado financeiro e de empresários com o governo se aprofundou nas últimas semanas diante do que ele considera uma virada no cenário político e econômico.
À tramitação atrapalhada da reforma do imposto de renda e à proposta de parcelamento de precatórios com o intuito de turbinar um novo Bolsa Família se misturaram a antecipação da sucessão presidencial, o aumento da inflação e dos juros e, agora, uma crise hídrica e energética.
A resposta veio como aumento do dólar, queda da bolsa e elevação das taxas de juros futuros (que mostram a expectativa do mercado em relação à Selic nos próximos anos e acabam sendo um termômetro da percepção de risco do país).
“Isso que aconteceu nas últimas duas, três semanas é que essa realidade se abateu no mercado financeiro. Houve uma revisão generalizada de cenários”, diz Mendonça de Barros em entrevista à BBC News Brasil.
“Estamos falando de outro mundo, outro cenário, em que finalmente o mercado financeiro capitulou.”
E é cada vez mais difícil pensar em uma reversão, diz ele, com a entrada precoce do elemento da sucessão presidencial de 2022 no jogo.
“O executivo puxou essa discussão e agora não tira mais. Então, nós vamos com isso até outubro do ano que vem. Com as incertezas, as pressões… o que só reforça esse cenário de desaceleração”, pontua.
Sob esse pano de fundo, a decepção da elite empresarial e econômica do país com o governo foi ganhando novos contornos.
“Já existe um bom desembarque. Para a maior parte desses agentes, isso é feito de forma silenciosa…atualmente, porém, não mais tanto. Aquele primeiro manifesto, em que todo mundo foi na [pessoa] física, havia empresários de peso ali.”
Mendonça de Barros se refere ao manifesto “Eleições serão respeitadas”, uma reação às ameaças do presidente às eleições no próximo ano.
Bolsonaro faz reiteradamente acusações infundadas e sem provas de que a urna eletrônica seria fraudulenta e diz que o país só teria eleições justas com o retorno do voto impresso. Também desfere com frequência ataques contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e inflama sua base de apoio que defende uma ruptura institucional por meio de um golpe militar.
O economista foi um dos mais de 200 signatários iniciais no manifesto, ao lado de figuras como o industrial Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin, gigante da área de celulose e papel, e da empresária Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração da rede Magazine Luiza.
Mais recentemente, foi a vez do agronegócio. Sete entidades lançaram um manifesto em defesa da democracia que dizia que o Brasil não poderia se mostrar à comunidade internacional “como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais”.
E há ainda o manifesto que vinha sendo costurado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos), suspenso depois que os bancos públicos Caixa Econômica e Banco do Brasil ameaçaram deixar a Febraban caso o texto fosse divulgado.
Ainda que não tenha sido tornado público, o movimento seria mais um indicativo de que já há um desembarque desse grupo: “Eu sou testemunha disso, no mundo que eu consigo olhar, do qual eu consigo falar, é exatamente isso, um desencanto”.
Mendonça de Barros diz que “ninguém está encantado pela esquerda”, mas que há cada vez mais uma visão de que o caminho pelo atual governo tampouco é uma solução. “E aí todo mundo fica pensando e sonhando com o que se convencionou chamar de terceira via, algo tão desejável quanto difícil de se pôr em pé.”
Otimismo exagerado
O mercado financeiro conseguiu segurar o otimismo até meados de maio e junho, lembra o economista.
Naquele período, havia uma visão de que a relação dívida/PIB vinha melhorando e de que a arrecadação crescia, além da expectativa de que o Congresso passaria reformas com alguma facilidade.
“Tinha uma certa [expectativa para] inflação, mas não era 8%, tinham um certo aumento de juro, mas não era 8,5%.”
Mesmo naquele momento, contudo, a empolgação era exagerada, diz ele. A aparente melhora da parte fiscal sinalizada pela relação dívida/PIB, exemplifica Mendonça de Barros, era uma “ilusão estatística” causada pela aceleração da inflação.
A ideia é que, quando a inflação acelera, o PIB nominal cresce mais rápido (porque os preços sobem, não necessariamente porque a economia produz mais), enquanto o estoque da dívida demora mais a aumentar. Isso porque a dívida pública acompanha o movimento da taxa básica de juros, elevada pelo Banco Central em um segundo momento, em reação à inflação. Há, portanto, uma defasagem.
Variação trimestral do PIB desde 2016 — Foto: Elcio Horiuchi e Guilherme Luiz Pinheiro/G1
Na avaliação do economista, o mercado também se equivocou na análise de que a agenda de reformas caminharia de forma mais célere com a aliança entre o governo e o Centrão. O risco de que a qualidade do que fosse aprovado não valesse a pena — hoje materializado — sempre existiu.
Exemplo recente é a Medida Provisória de capitalização da Eletrobras, aprovada com tantos “jabutis” (termo comumente usado para se referir à inclusão de parágrafos completamente alheios ao tema do dispositivo) que, na avaliação de entidades do setor elétrico, deve encarecer o custo da energia. E há a reforma do Imposto de Renda, que tramita em uma versão com tantas modificações que, hoje, provocaria ainda mais distorções no já complexo sistema tributário brasileiro.
“Evidentemente que o mercado tinha muita vontade de acreditar no cenário otimista porque tinha negócios ali… eu sou consultor de mercado financeiro há 43 anos, já vivi o suficiente pra saber como é isso”, pontua.
“Tinha uma fila de IPOs [sigla para Initial Public Offering, a estreia na bolsa de empresas até então de capital fechado], muito business, muito M&A [sigla para Mergers and Acquisitions, fusão e aquisição de empresas], que só vai pra frente com cenário otimista. No cenário defensivo essas coisas param, e de fato pararam.”