Decisão de Moraes atende a pedido unânime de ministros do TSE. Apuração levará em conta acusações sem provas do presidente às urnas e ao sistema eleitoral brasileiro.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quarta-feira (4) a inclusão do presidente Jair Bolsonaro como investigado no inquérito que apura a divulgação de informações falsas.
A decisão de Moraes atende ao pedido aprovado por unanimidade pelos ministros do TSE na sessão desta segunda (2). Veja neste link a íntegra da decisão judicial.
A apuração levará em conta os ataques, sem provas, feitos pelo presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. Mesmo após ser eleito, Bolsonaro tem feito nos últimos três anos reiteradas declarações colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral.
O inquérito das fake news foi aberto em março de 2019, por decisão do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, para investigar notícias fraudulentas, ofensas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal.
O ministro Alexandre de Moraes é o relator dessa investigação e, por isso, coube a ele decidir sobre a inclusão do presidente Jair Bolsonaro.
O G1 pediu posicionamento do Palácio do Planalto sobre a decisão de Moraes e aguarda retorno.
Onze possíveis crimes
Na decisão em que atende o pedido do TSE, Moraes cita 11 crimes que, em tese, podem ter sido cometidos por Bolsonaro nos repetidos ataques às urnas e ao sistema eleitoral:
- calúnia (art. 138 do Código Penal);
- difamação (art. 139);
- injúria (art. 140);
- incitação ao crime (art. 286);
- apologia ao crime ou criminoso (art. 287);
- associação criminosa (art. 288);
- denunciação caluniosa (art. 339);
- tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17 da Lei de Segurança Nacional);
- fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (art. 22, I, da Lei de Segurança Nacional);
- incitar à subversão da ordem política ou social (art. 23, I, da Lei de Segurança Nacional);
- dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral).
Na decisão, Moraes determinou que a Polícia Federal tome depoimento de quem acompanhou Bolsonaro na transmissão da última quinta (29) onde o presidente fez vários ataques às eleições:
- o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres;
- o coronel reformado do Exército Alexandre Hashimoto, professor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo;
- e o engenheiro especialista em segurança de dados Amilcar Filho.
Ataques às urnas
O presidente Jair Bolsonaro faz ataques ao sistema eleitoral brasileiro há mais de três anos, sem qualquer prova.
Nas últimas semanas, o presidente subiu o tom e chegou ameaçar a não realização de eleições caso não seja aprovada uma proposta de emenda à Constituição que garanta a impressão do voto na urna eletrônica.
A notícia-crime assinada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, encaminha para investigação a transmissão feita pelo presidente Bolsonaro na última quinta, em redes sociais e em canal oficial de TV.
O presidente da República chegou a convidar a imprensa para uma transmissão ao vivo onde apresentaria suas provas de falhas nas urnas. Em vez disso, repercutiu notícias falsas e vídeos já desmentidos.
Ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro teve de reconhecer que não tem provas da ocorrência de nenhuma fraude no sistema.
Na ocasião, o presidente se limitou a apresentar teorias antigas e comprovadamente falsas que circulam na internet sobre a urna – todas, já desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral e por serviços de checagem da imprensa.
Nas declarações sobre o voto impresso e as urnas, o presidente também tem criticado ministros do tribunal, como o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso.
O que diz a decisão
Segundo Moraes, a transmissão da última quinta também pode ter conexão com os fatos investigados em outro inquérito: o das milícias digitais, desdobramento da apuração dos atos inconstitucionais.
“Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia”, diz Moraes.
Por isso, segundo o ministro, é “imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa […] que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos ministros do Supremo Tribunal Federal e contra o sistema de votação no Brasil, tais como as constantes na live do dia 29/7/2021, objeto da notícia crime”.
O ministro afirmou que “a partir de afirmações falsas, reiteradamente repetidas por meio de mídias sociais e assemelhadas, formula-se uma narrativa que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do Presidente”, apontou o magistrado.
Ainda na decisão, Moraes fez um relato do andamento das investigações do inquérito das fake news.
Segundo o ministro, as apurações “indicaram a existência de uma associação criminosa, denominada ‘gabinete do ódio’, dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, entre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.
“Apurou-se que diversos investigados integrariam um complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes, o Estado de Direito e a Democracia”, escreveu.
Também de acordo com o ministro, “essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, atuariam de maneira velada fornecendo recursos das mais variadas formas, para os integrantes dessa organização”.
Risco de inelegibilidade
A investigação criminal pode, posteriormente, tornar Bolsonaro inelegível. Isso só ocorre, no entanto, se:
- o Ministério Público entender ao fim da apuração que há elementos para acusação formal (denúncia);
- a Câmara dos Deputados aprovar, pelo voto favorável de 2/3 dos deputados, o prosseguimento do processo, e
- houver condenação no STF, onde tramitam ações sobre o presidente.
Inquérito administrativo
Além de pedir a inclusão de Bolsonaro no inquérito do Supremo, os ministros do TSE também aprovaram por unanimidade a abertura de um inquérito administrativo, no âmbito da Corte, para apurar ataques à legitimidade das eleições.
A proposta partiu do corregedor eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão. Serão investigadas infrações como corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos, abuso de poder político e econômico e propaganda fora do período de eleições.
Ao apresentar seu apoio à proposta, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou que “com a democracia não se brinca, não se joga”.
Assim como a investigação criminal, este inquérito também pode gerar inelegibilidade ao presidente Bolsonaro – por abrir espaço para multas na Justiça Eleitoral, além de servir como base para a contestação de um eventual registro de candidatura de Bolsonaro à reeleição.
O registro de candidaturas, feito em agosto do ano eleitoral, é contestado por iniciativa do Ministério Público, de partidos políticos ou por candidatos.