quinta-feira, novembro 21, 2024
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Senado discute ampla reforma tributária em meio a busca de recursos para Auxílio Brasil

A necessidade de encontrar uma fonte de financiamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, trouxe à pauta do Senado projetos que mexem com a estrutura de gastos e de arrecadação de recursos pelo governo, já consideravelmente endividado — e, segundo estimativas da Consultoria Legislativa e da Instituição Fiscal Independente do Senado, sob risco de descumprir o teto de gastos, previsto na Constituição.

É nesse contexto — que envolve ainda o fim do Bolsa Família, extinto neste mês — que o Congresso discute duas propostas de autoria da equipe econômica do governo Bolsonaro: o projeto que altera a legislação do Imposto de Renda (PL 2.337/2021) e a proposta de emenda à Constituição que adia o pagamento de precatórios judiciais (PEC 23/2021). As duas propostas já foram aprovadas pelos deputados e devem passar agora pelo crivo dos senadores.

Elas são as prioridades da agenda legislativa do Palácio do Planalto para obter os recursos necessários para financiar o pagamento de R$ 400 previsto para o Auxílio Brasil. O PL 2.337/2021, porém, enfrenta grande resistência no Senado. Em debate na CAE, o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), informou que, até o momento, não ouviu qualquer manifestação favorável ao texto, seja de políticos, seja de representantes de setores da economia. Já a PEC dos Precatórios recebeu críticas públicas de diversos senadores.

Vanderlan Cardoso e Angelo Coronel durante debate da CAE que avaliou o projeto que muda a legislação do Imposto de Renda (foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

Paralelamente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quando chamado a comentar a pauta do governo, traz à tona outra prioridade, que, segundo ele, oferece uma solução mais profunda e perene aos problemas de caixa do Executivo: a PEC 110/2019, uma ampla reforma do sistema tributário nacional. Após reunião com governadores, em 21 de outubro, ele afirmou que os estados consideram a reforma tributária uma “solução inteligente” para a situação fiscal do país.

— Nunca desistimos de uma reforma ampla. É bem considerável o apoio que essa PEC tem da sociedade civil, dos setores produtivos, dos governadores, da Confederação Nacional dos Municípios e do próprio Ministério da Economia. Ela é vista pelos governadores como uma solução inteligente, com a fixação de um imposto sobre valor agregado em nível federal, e um imposto sobre valor agregado subnacional, que acabaria por dar solução definitiva a essa questão tributária, inclusive quanto aos combustíveis — declarou Pacheco na ocasião.

Pacheco em coletiva em 21 de outubro, quando comentou as propostas que buscam soluções para a situação fiscal do país (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Essa perspectiva acompanha o presidente do Senado desde que foi eleito para o cargo, quando colocou a reforma tributária entre as prioridades da sua gestão. Em fevereiro, ao lado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, Pacheco se disse confiante de que a proposta tramitaria paralelamente nas duas Casas do Congresso e que poderia ser aprovada até outubro deste ano.

Apresentada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a PEC 110/2019 é a proposta que reúne mais discussão nesta legislatura. Atualmente em análise na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), o texto já foi analisado em uma comissão especial, formada por deputados e senadores, e deu origem a uma proposta completa, apresentada em outubro passado pelo relator da matéria, senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

Elaboração e principais pontos

Desde a elaboração, a PEC estabeleceu entre seus princípios não elevar a carga tributária, promover melhor partilha de recursos entre os entes da Federação, preservar incentivos a micros e pequenas empresas (Simples) e aliviar o peso dos tributos para famílias mais pobres.

A principal inovação da proposta de Roberto Rocha é a criação de um modelo com dois impostos de valor agregado (IVA), para evitar a cobrança acumulada de impostos em diferentes etapas da produção, do comércio e da prestação de serviços, evitando um “efeito cascata

Atualmente, impostos sobre o consumo, como é o caso de produtos de supermercados, são calculados acumuladamente, aumentando a carga tributária (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) reúne os tributos federais (Cofins e Cofins-importação, PIS e Cide-combustíveis), arrecadados pela União. Paralelamente, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) seria o resultado da fusão do ICMS (estadual) com o ISS (municipal), para estados e municípios.

Além disso, o relator propõe a substituição do IPI pelo Imposto Seletivo (IS), que incidiria apenas sobre determinados produtos, como cigarros. As alterações buscam ainda ampliar o rol de bens e serviços com regime especial de tributação; vincular a concessão de crédito tributário ao efetivo pagamento do tributo; definir regras para a administração tributária por estados e municípios; estabelecer isenções para o IPVA; criar nova base de cálculo para o IPTU; e permitir a devolução de contribuições patronais para a Previdência em setores intensivos em mão de obra.

As mudanças sugeridas por Roberto Rocha não ficam por aí: a PEC pretende abrir caminho para que leis, complementar e ordinária, completem e regulamentem a reforma. A previsão é significativa, já que retira da Constituição regimes diferenciados de tributação, concedidos a setores específicos da economia.

O percurso da PEC 110/2019

A gestação do atual texto da PEC 110/2019 começou em debates promovidos pela CCJ do Senado, já com Roberto Rocha como relator, entre agosto e setembro de 2019, para ouvir especialistas e representantes de diferentes grupos que serão afetados pela reforma.

Depois dos debates de 2019 e diante da perspectiva de o Executivo enviar seu próprio projeto de reforma tributária (o PL 3.887/2020), em março de 2020 foi instalada a Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, que também teve como base a PEC 45/2019, que tramita na Câmara, e que já havia sido objeto de audiências públicas e seminários regionais. Roberto Rocha presidiu a comissão mista, composta por 25 senadores e 25 deputados, com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como relator.

Senador Roberto Rocha e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em reunião da comissão mista que discutiu a reforma tributária (foto: Roque de Sá/Agência Senado

Logo depois de criada, porém, a comissão teve seus trabalhos suspensos por conta da pandemia de covid-19. Somente em agosto do ano passado, de maneira remota, foram realizadas audiências públicas com representantes do governo federal, de estados e municípios, além de setores econômicos, especialistas e instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

À comissão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que a reforma tributária tivesse três fases. Na primeira, haveria a unificação de tributos federais, com a criação de um IVA federal, a partir da junção de PIS e Cofins. A segunda envolveria a transformação do IPI em um imposto seletivo. Por fim, a terceira fase trataria do Imposto de Renda, redução das desonerações fiscais e dos processos administrativos e judiciais.

Em maio de 2021, Aguinaldo Ribeiro apresentou o relatório final, que não chegou a ser votado, mas foi enviado ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco. Roberto Rocha, então, baseou seu parecer à PEC 110/2019 na CCJ do Senado nas conclusões da comissão mista. Diante da demora da análise no Congresso, o senador Luiz do Carmo (MDB-GO) sugeriu no final de outubro a realização de sessão temática em Plenário para debater a proposta com especialistas, para inclusive acelerar a tramitação da PEC.

Conheça detalhes da PEC 110/2019

Pela PEC 110/2019, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) seria o resultado da fusão do ICMS (estadual) com o ISS (municipal), para estados e municípios. Diferentemente do que acontece com esses impostos hoje, o IBS terá uma legislação única para todo o país, exceto a alíquota, que será fixada por cada ente federativo.

Principais características do IBS

Ainda assim, ela será uniforme para operações com bens e prestações de serviços, resultante da soma das alíquotas do estado ou do Distrito Federal com a do município. A unificação de alíquotas valerá também para regimes diferenciados (como o Simples e outros com alíquotas menores).

A gestão do novo tributo será feita pelo Conselho Federativo do IBS, que terá que editar as normas, arrecadar o imposto, efetuar as compensações, distribuir a arrecadação e resolver os conflitos administrativos.

Como acontece com os impostos de valor agregado (IVA), o IBS evita a cobrança acumulada de impostos em diferentes etapas da produção, do comércio e da prestação de serviços, evitando um “efeito cascata”. Ou seja, ele não será cumulativo e nem fará parte da sua própria base de cálculo. Como se diz, o IBS será calculado “por fora”, o que o diferencia do ICMS, que é calculado “por dentro” (veja ilustração abaixo).

Entenda a diferença entre tributação por dentro e por fora

Cobrança no destino – A proposta determina que os tributos sejam cobrados pelo município e estado para onde se destinam os bens ou é feita a prestação de serviços. A intenção da proposta é acabar com a guerra fiscal entre estados e municípios, para atrair empresas. O IBS também não incidiria sobre as exportações.

Incidência no consumo – Como o imposto deixa de pertencer ao ente onde os produtos são elaborados, ele passa a incidir somente sobre o consumo, aliviando os custos da produção. “Deixa-se de tributar a produção, passando-se a tributar efetivamente o consumo”, afirma o relatório.

Prazo – O IBS substituirá ICMS e ISS em um prazo de sete anos a partir da implantação da proposta. Nesse tempo, haverá uma transição, com o IBS aumentando sua participação na tributação, com redução progressiva das alíquotas do ICMS e do ISS.

Simples – No que diz respeito ao Simples Nacional, o relatório prevê que “especificamente no caso do IBS, a empresa poderá optar por pagar separadamente o imposto, e com isso ter direito à apropriação e à transferência dos créditos, podendo beneficiar-se integralmente da não cumulatividade do imposto”.

Devolução do imposto – A PEC 110/2019 também prevê que o IBS seja devolvido a famílias de baixa renda, inovação baseada na experiência de outros países. Em defesa dessa proposta, Roberto Rocha cita estudos que apontam que a isenção de tributos sobre itens da cesta básica, por exemplo, não é eficiente para distribuir renda, já que pode ser acessada tanto pelos mais pobres como pelos mais ricos da sociedade.

Créditos – Como não é cumulativo, o IBS permite a compensação integral do crédito por uma operação com o débito das operações anteriores, exceto para bens e serviços para consumo pessoal.

Outra mudança importante é que a legislação poderá condicionar a compensação de créditos tributários ao pagamento do imposto devido, o que, junto com a retenção automática, deve resultar em redução da sonegação e da inadimplência.

Com o novo sistema, o saldo credor dos contribuintes, depois de usado para pagar os seus débitos, ficará retido no Conselho Federativo do IBS e não será repassado aos governos locais. Esse mecanismo cria uma garantia de devolução dos créditos acumulados em um prazo mais curto.

Distribuição da receita

O IBS começará a ser implantado depois de regulamentado pelo conselho federativo. Já a distribuição da receita entre os estados e municípios terá um período de transição de 20 anos. Pela proposta, uma parcela decrescente da arrecadação do IBS será retida e distribuída entre os estados, Distrito Federal e municípios proporcionalmente a sua participação na receita do ICMS e do ISS em período a ser definido em lei complementar.

Transição do IBS

No terceiro ano depois do ano-base, a parcela retida será de 95%. Esse percentual cairá 5% por ano até completar a transição. Os 5% não retidos serão distribuídos para os entes do destino, o que significa que, no final da transição, a arrecadação do IBS será integralmente distribuída pelo destino.

A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) deverá ser criada por lei complementar e incidirá sobre todas as operações com bens e prestação de serviços e também sobre as importações. A aplicação da CBS será a mesma dos impostos que substitui: na seguridade social e em programas constitucionais (seguro desemprego, abono salarial, repasses para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social  — BNDES).

Principais características do CBS

A criação da CBS também está prevista no projeto de lei do governo que tramita na Câmara (PL 3.887/2020), e pode vir a servir como proposta de regulamentação da PEC 110/2019 do Senado.

Assim como acontece com o IBS, esse tributo tampouco será cumulativo, e poderá ser cobrado em uma única etapa.

Pela PEC 110/2019, o Imposto Seletivo (IS) substitui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), incidindo sobre a produção, importação e comercialização de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, sem contudo taxar as exportações desses bens e serviços.

Produtos que podem ser nocivos à saúde, como cigarros e bebidas, são um dos alvos da proposta do Imposto Seletivo (foto: Felipe Barra/Agência Senado)

Assim como o IPI, o IS será regulado e arrecadado pela União e partilhado com estados, Distrito Federal e municípios.

Segundo Roberto Rocha, não há prazo para a extinção do IPI, pois pode ser necessário mantê-lo sobre alguns produtos para uma transição suave nas empresas da Zona Franca de Manaus.

O parecer de Roberto Rocha delega a lei complementar a definição de regimes especiais de impostos para favorecer alguns setores da economia.

De acordo com o texto em análise na CCJ, os setores agropecuário, agroindustrial, produtos da cesta básica, gás de cozinha residencial, pesqueiro, florestal, educacional, de saúde e medicamentos, de transporte público, as compras governamentais e de entidades de assistência social, a Zona Franca de Manaus, as zonas de processamento de exportação e as empresas optantes do Simples podem, então, continuar com incentivos fiscais.

Linha de montagem na Zona Franca de Manaus: parecer preserva regime especial de tributos para o pólo industrial no Amazonas (foto: mundomoto)

A lei complementar deverá criar ainda tributação específica para operações com combustíveis, lubrificantes e produtos do fumo, que poderão ser taxadas uma única vez. Isso também será feito com relação à prestação de serviços financeiros.

Para o relator, há dificuldade de se tributar pelo regime padrão de débito e crédito operações como o spread bancário (diferença entre o valor pago na captação de dinheiro e o cobrado nas operações de crédito).

— Nesse caso, o regime diferenciado não significa menor tributação sobre o sistema financeiro, mas apenas a adoção de um regime distinto de apuração do imposto — explica Roberto Rocha.

Para estimular o desenvolvimento regional e diminuir as disparidades entre os diferentes estados, a PEC sugere a criação, por lei complementar, de um fundo de desenvolvimento regional (FDR), constituído por 3% da arrecadação do IBS de estados e municípios. O FDR substituiria assim os fundos constitucionais do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO).

Como acontece hoje, os recursos deverão ser aplicados em projetos de infraestrutura, qualificação de trabalhadores, conservação do meio ambiente, inovação e difusão de tecnologias e estímulo ao setor produtivo com alto potencial de geração de emprego e renda. A lei complementar definirá a distribuição dos recursos, desde que 30% sejam destinados aos municípios e 10% para investimentos em infraestrutura nos estados exportadores de produtos primários.

Base de lançamento de foguetes de Alcântara (MA): receitas obtidas em acordo com os EUA poderão beneficiar o estado (foto: Johnson Barros/Agência Força Aérea)

Ainda com relação à distribuição de recursos específicos por regiões do país, a PEC 110/2019 assegura ao Maranhão participação nas receitas obtidas pela Base de Alcântara; prevê diretrizes para programas de desenvolvimento dos municípios da região de Matopiba (fronteira agrícola do cerrado brasileiro nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia); e uma futura Zona de Processamento de Exportações do Maranhão (Zema).

O substitutivo também permite que recursos federais destinados à Região Norte para financiar o setor produtivo sejam aplicados em toda a Amazônia Legal, o que inclui partes do Nordeste (no Maranhão) e do Centro-Oeste (Mato Grosso e Tocantins).

Ineficiência

Não é sem motivo que a reforma tributária está entre as prioridades defendidas pelo presidente do Senado. O sistema de arrecadação de impostos do país é alvo de severas críticas não apenas do setor produtivo, mas também de estudos e observadores da economia brasileira.

Levantamento do Banco Mundial de 2018 mostra que o Brasil é o campeão no número de horas exigidas para o cumprimentos de obrigações tributárias pelos cidadão e pelas empresas: 1.501 horas, enquanto a média dos 190 países pesquisados é de 234 horas.

O regime tributário brasileiro também é visto como um dos responsáveis pelo péssimo desempenho do país em rankings de competitividade, como a 124ª colocação na pesquisa Doing Business de 2020, do Banco Mundial.

Mais que isso, a complexidade tributária tem outro impacto nocivo: a grande judicialização de disputas na área fiscal. Estima-se que o contencioso tributário brasileiro nas três esferas federativas tenha atingido R$ 5,44 trilhões em 2019, ou cerca de 75% do PIB daquele ano.

Fonte: Agência Senado

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