terça-feira, abril 30, 2024
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Participantes do seminário LGBTQIA+ criticam tentativa de deputados de proibir união homoafetiva

Proposta em discussão na Câmara já tem parecer favorável na Comissão de Previdência, mas votação foi adiada para semana que vem

Participantes do 20º Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional criticaram a tentativa de deputados de votarem projeto de lei proibindo a união homoafetiva (PL 5167/09) em comissão da Câmara dos Deputados.

No mesmo momento da realização do evento, a Comissão de Previdência estava reunida para votar a proposta que proíbe que relações entre pessoas do mesmo sexo equiparem-se ao casamento ou a entidade familiar. Após algumas horas de discussão, houve acordo entre apoiadores e críticos para adiar a votação para a semana que vem.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) afirmou que o momento deveria ser de retomada das políticas para a comunidade LGBTQIA+ e de luta contra os retrocessos para esse segmento da população.

Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal reconhece a união homoafetiva como núcleo familiar, equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Por isso, participantes do seminário defenderam que o projeto em discussão na Câmara é inconstitucional. O texto inclui a proibição de uniões homoafetivas no Código Civil.

Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, Symmy Larrat afirmou que a iniciativa de votar esse projeto é uma tentativa de obter holofotes para um movimento que cultiva o ódio às pessoas LGBTQIA+. Na avaliação dela, é preciso planejamento estratégico para enfrentar esses discursos e conseguir implementar políticas públicas para esse segmento da população.

Ela informou que neste ano haverá o maior orçamento da história para as pessoas LGBTQIA+, mas ainda assim será insuficiente para as políticas públicas necessárias para garantir a vida e os direitos desse grupo.

Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
XX Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional. Secretária Nacional LGBTQIA+ / MDHC - Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania - MDHC, Symmy Larrat
Symmy Larrat: orçamento para pessoas LGBTQIA+ ainda é insuficiente para garantir direitos

Diálogo com evangélicos
Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis defendeu o diálogo com as pessoas evangélicas sobre o tema. “Nós não queremos destruir a família de ninguém, não queremos erotizar nenhuma criança”, disse. “Eu não conheço uma família que foi destruída pela decisão do STF. E se alguém souber que alguma família, alguém perdeu direitos por 20 milhões de pessoas terem ganhado direito ao casamento, eu desisto da militância LGBTI+”, acrescentou.

Segundo Reis, estão em análise na Câmara 36 projetos favoráveis à comunidade e 63 projetos que tiram direitos dos LGBTQIA+ na Casa. Ele defendeu a aprovação pelos parlamentares do Projeto de Lei 7292/17, chamado de “Lei Dandara”, em homenagem a uma travesti assassinada no Ceará, sobre o enfrentamento da LGBTfobia. E salientou que a Frente Parlamentar Mista por Cidadania e Direitos LGBTI+, integrada hoje por mais de 260 parlamentares, nunca foi tão grande.

Projeto inconstitucional
Secretária da Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides acredita que a discussão do projeto no mesmo dia e hora de realização do seminário é uma tentativa de enfraquecer a articulação do movimento LGBTQIA+. “Essas armadilhas querem nos desviar do nosso objetivo, que é avançar, e a gente está avançando e vai avançar cada vez mais”, opinou. Ela observou que, caso o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional, ele será barrado pelo STF, por ser inconstitucional.

“Se hoje não há a menor possibilidade de eles impedirem efetivamente o casamento, ou negarem o acesso à retificação de nome e gênero ou a garantia do acesso à saúde para a juventude e as crianças, todos direitos que nós conquistamos, é porque nós, enquanto movimento, conseguimos pautar essas conquistas de forma sólida”, afirmou.

Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
XX Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional. Secretária da Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais ANTRA, Bruna Benevides
Bruna Benevides: tentativa de votar o projeto é “armadilha” para desviar movimento de seus objetivos

Projeto reacionário
Representante da Liga Brasileira de Lésbicas, Léo Ribas disse que milhares de pessoas LGBTQIA+ e seus filhos terão a segurança jurídica retirada de viver como famílias se o projeto de lei seguir adiante. “Retirar o direito ao casamento igualitário diz muito sobre um projeto reacionário e fascista, porque retira também o nosso direito de inserção na sociedade, como casais que compartilham toda uma vida”, declarou. Na visão dela, o Parlamento deveria, na direção oposta, estar atuando para proteger esse segmento da população, já que o Brasil continua a ser o país que mais mata pessoas LGBTQIA+.

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Heliana Hemetério disse não imaginar que teria que discutir a legalidade da união homoafetiva de novo, depois da decisão do STF em 2011. Para ela, o pacto da heteronormatividade é silencioso e está cada vez mais forte. “O pacto da heteronormatividade está cada vez mais fechado e se fortalecendo contra nós, com o apoio das igrejas neopentecostais”, avaliou.

Secretária da Cidadania e da Diversidade do Ceará, Mitchelle Meira também lamentou os retrocessos do Legislativo, quando é preciso avançar em legislações positivas para a proteção da população  LGBTQIA+. “Tenho certeza que a população brasileira não é todo esse ódio não, é uma pequena camada da população”, opinou.

Representatividade política
Representante da Fundação Luminate, Gustavo Ribeiro chamou a atenção para resultados de pesquisa conduzida pela fundação em conjunto com o Instituto Ipsos mostrando que, para 59% dos brasileiros, a população LGBTQIA+ deveria ter uma representação maior na política. O Brasil lidera o ranking que defende o aumento do acesso desse grupo aos espaços de poder nos quatro países da América Latina que foram analisados – Brasil, Argentina, Colômbia e México. O levantamento mostra ainda que 63% dos entrevistados no Brasil concordam total ou parcialmente que a diversidade de vozes — incluindo a pluralidade de identidades de gênero e sexualidades — é um aspecto essencial de uma democracia.

Conforme ele, para 52% dos entrevistados, os principais obstáculos para o aumento da representatividade política das pessoas LGBTQIA+ são a violência, o preconceito e a discriminação. E 54% dos entrevistados no Brasil apoiam a garantia de recursos partidários para candidatos LGBTQIA+, algo que ainda não foi discutido. Ele acredita que a vontade popular está em direção contrária às medidas discutidas no Congresso.

Billy Boss /Câmara dos Deputados
Audiência Pública - PL 7.292/2017 Lei Dandara - Enfrentamento à LEGBTIFOBIA. Procurador Regional dos Direitos do Cidadão (PFDC), Lucas Costa Almeida Dias.
Lucas Almeida: pessoas LGBTQIA+ enfrentam diariamente violência simbólica

Pessoas trans
O representante do Coletivo de Famílias de Pessoas Trans, Santiago Rodrigues, ressaltou a importância de políticas de acolhimento e de saúde mental para as pessoas trans desde a infância, de modo que elas e suas famílias possam compartilhar vivências. Ele frisou que a taxa de suicídio de pessoas trans é maior do que a população em geral, em virtude do isolamento e do preconceito.

Diretora da Rede Trans Brasil, Tathiane Araújo informou que 70% desse segmento da população já passou por algum tipo de violência, seja sexual, física ou verbal, e que o Legislativo precisa encampar a pauta em defesa das pessoas trans.

Rudá Alves, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, frisou que hoje não existe uma política pública de proteção à vida da população LGBTQIA+.

“Nós morremos na rua, não morremos dentro de casa, não morremos no hospital, nós morremos com muito tiro, e todas as vezes são mulheres travestis negras que estão estiradas nas ruas”, destacou Bruna Ravena, do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Segundo ela, o segmento precisa entrar no orçamento destinado à moradia, à educação e à segurança pública, por exemplo, e defendeu emendas parlamentares para apoiar o trabalho de travestis no Brasil .

Procurador do Trabalho, Igor Sousa Gonçalves informou que hoje 90% das pessoas trans estão fora do mercado de trabalho formal, muitas na prostituição. Segundo ele, estima-se que 4 em cada 10 pessoas LGBTQIA+ já sofreu alguma discriminação no trabalho e que 33% das empresas não contratariam pessoas trans para cargos de gestão. Ele destacou que a situação é pior na Região Norte do Brasil, que precisa de um olhar mais cuidadoso.

Procurador da República, Lucas Almeida afirmou que as pessoas LGBTQIA+ enfrentam diariamente violência simbólica, ou seja, que as atinge para além de suas existências. Por isso, segundo ele, alguns países como Nova Zelândia e Inglaterra, além do Parlamento Australiano,  já fizeram pedido de desculpas públicos à população LGBTQIA+, e ele sugeriu que o Parlamento brasileiro faça algo nesse sentido. Ele também sugeriu que o Legislativo tome iniciativa para a produção de mais dados sobre esse segmento da população e disse que uma fatia do orçamento público precisa ser destinado para esse fim.

Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
XX Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional. Representante do Coletivo Tybyra - Indígenas LGBTs - Coletivo Tybyra - Indígenas LGBTs, Erisvan Guajajara
Erisvan Guajajara: luta pela liberdade de gênero está ligada à luta por território

Registro civil
Presidente da Associação Brasileira Intersexos, Thaís Emília disse que a pauta deste segmento específico é invisibilizada mesmo dentro do movimento LGBTQIA+, com ausência total de direitos de cidadania. Pessoas intersexo nascem com características sexuais físicas que não se enquadram nas definições típicas masculinas e femininas.  “Quando nasce um bebê intersexo no Brasil, raramente a certidão de nascimento é emitida, o CPF também não é emitido”, citou. Ela defendeu uma lei especifíca para o segmento – o estatuto da pessoa intersexo.

Representante da Articulação Brasileira Não-Binare, Bruna Bonassi informou que as reivindicações do movimento incluem acesso ao registro civil, a trabalho , aos espaços públicos e privados das cidades, à saúde, a dados sobre esse segmento da população, a orçamento público, a segurança nas prisões, entre outras.

Natasha Avital, da Frente Bissexual Brasileira, salientou a alta taxa de suicídio dessas pessoas e a falta de políticas específicas para o grupo.

LGBTs e indígenas
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) defendeu a luta conjunta dos povos indígenas e do movimento LGBTQIA+ em prol da diversidade na sociedade.

Representante do Coletivo Tybyra Indígenas LGBTs, Erisvan Guajajara ressaltou que, para eles, a luta pela liberdade de gênero e orientação sexual está ligada à luta por território, terra, alimentação saudável e proteção dos povos. De acordo com  ele, são centenas de indígenas LGBTs vivendo em diversos povos e falando diversas línguas que enfrentam racismo, violência de gênero, miséria e a morte. “Imagina ser indígena e LGBTQIA+ neste País de racistas”, disse.

Nesta edição, o seminário, que prossegue nesta quarta-feira (20), homenageia o ex-deputado David Miranda, que se destacou na luta por liberdade de expressão e pelos direitos LGBTQIA+. Ele morreu em maio, depois de nove meses internado para tratamento de infecção gastrointestinal.

O seminário é promovido pelas comissões de Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; de Defesa dos Direitos da Mulher; de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial; de Educação; e de Saúde. O evento prossegue nesta quarta-feira.

Fonte: Agência Câmara de Notícias