O projeto de lei que altera as regras penais de reconhecimento de pessoas acusadas de crimes foi aprovado pelo Plenário do Senado em votação simbólica nesta quarta-feira (13). De autoria do senador Marcos do Val (Podemos-ES), o PL 676/2021 foi aprovado na forma do texto substitutivo apresentado pelo relator da matéria, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que acatou uma emenda integralmente e outras sete parcialmente. O projeto segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
— De forma muito oportuna, o senador Marcos do Val identifica dificuldades e consequências trágicas e apresenta um projeto com o meritório objetivo de fazer uma alteração técnica na questão do reconhecimento de pessoa. Fizemos todo um trabalho de análise, partindo da construção do senador Marcos do Val, com a colaboração muito próxima do senador Paulo Paim, a quem rendo todos os elogios e homenagens, um verdadeiro guerreiro do Parlamento, e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais [IBCCRIM] e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa [IDDD], que colaboraram com notas técnicas e com sugestões, inclusive de emendamento — afirmou Alessandro Vieira.
De acordo com o relator, o projeto busca garantir a observância de procedimentos formais que impeçam que a vítima seja induzida a erro e para verificar o grau de confiabilidade do reconhecimento.
— No caso de reconhecimento fotográfico, é vedada a apresentação informal de fotografias ou decorrentes de álbum de suspeitos e similares, e a fonte de extração dessa imagem deve ser incitada nos autos. Sempre que possível, todo o procedimento de reconhecimento deverá ser gravado. Deverá ser lavrado auto em que deve estar consignada a raça autodeclarada da pessoa que tiver que fazer o reconhecimento, bem como da pessoa reconhecida — explicou Alessandro Vieira.
De acordo com o texto aprovado, a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento:
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será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida, com uso de relato livre e de perguntas abertas, “vedado o uso de perguntas que possam induzir ou sugerir a resposta”;
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será perguntada sobre a distância a que esteve do suspeito, o tempo durante o qual visualizou o rosto, bem como as condições de visibilidade e iluminação no local;
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será perguntada se algum suspeito lhe foi anteriormente exibido ou se, de qualquer modo, teve acesso ou visualizou previamente alguma imagem deste.
O texto também prevê que, antes de iniciar o reconhecimento, a testemunha ou vítima será alertada: o autor do delito pode ou não estar entre os indivíduos que serão apresentados e que ela pode reconhecer um ou não reconhecer nenhum. Essa parte foi incluída por emenda do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), a única acatada integralmente.
Além disso, o texto determina que as investigações continuarão independentemente do resultado do reconhecimento.
De acordo com o texto, a pessoa suspeita do crime, que poderá ser reconhecida ou não, deverá ser apresentada com, no mínimo, outras três pessoas “sabidamente inocentes, que atendam igualmente à descrição dada pela testemunha ou pela vítima, de modo que o suspeito não se destaque dos demais”.
Também está previsto que a pessoa a ser reconhecida não poderá ver a vítima ou testemunha que estiver fazendo o reconhecimento.
Terminado o ato de reconhecimento, seja qual for o resultado, a proposta determina que “será lavrado auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais, devendo nele constar declaração expressa de que todas as formalidades previstas neste Código foram cumpridas”. Esse documento terá que conter, inclusive, a raça autodeclarada da pessoa que tiver que fazer o reconhecimento e da eventual reconhecida.
O texto aprovado também sugere que, “sempre que possível”, o reconhecimento seja gravado em vídeo.
Se essas regras forem desobedecidas, o projeto prevê a inadmissibilidade do reconhecimento positivo como elemento de informação ou de prova, “alcançando eventual prova derivada que guarde com ele qualquer nexo de causalidade ou que não pudesse ter sido produzida de forma independente”.
No caso de reconhecimento de pessoa feito por meio de fotografia, o texto determina que deverão ser observadas, também, as seguintes regras:
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no caso de reconhecimento positivo, todas as fotografias usadas no procedimento deverão ser juntadas aos autos, com indicação da fonte;
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será proibida a apresentação de fotografias “que se refiram somente a pessoas suspeitas, integrantes de álbuns de suspeitos, extraídas de redes sociais, restritas a amigos ou associados conhecidos de suspeito já identificado ou de suspeitos de outros crimes semelhantes, bem como a apresentação informal de fotografias por autoridades de polícia judiciária ou de policiamento ostensivo”.
A proposta estabelece que o reconhecimento, inclusive o feito por fotografia, terá que ser apoiado por “outros elementos externos de prova”, ou seja, o reconhecimento de suspeito não será suficiente, por si só, “para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais, para o recebimento de denúncia ou queixa, para a decisão de pronúncia no procedimento do júri e para a prolação de sentença condenatória”.
De acordo com o texto, o suspeito terá direito de ser atendido por defensor, constituído ou nomeado, durante todo o processo de reconhecimento — e, se houver absolvição transitada em julgado, “a fotografia do acusado deverá ser excluída imediatamente de eventuais registros de identificação de suspeitos.”
As emendas acatadas parcialmente são de autoria dos senadores Paulo Paim (PT-RS), Rose de Freitas (MDB-ES) e Jean Paul Prates (PT-RN). Paim expressou as preocupações da comunidade negra com o projeto original, mas disse que houve avanços com as mudanças feitas no texto.
— Por parte, principalmente da comunidade negra, havia uma grande preocupação com o projeto. Claro que o autor, percebendo as denúncias e a gravidade da situação, teve a boa iniciativa de propor alterações. (…) Reconheço que houve um avanço em relação ao projeto original, com a grandeza do autor e também do relator, e destaco alguns pontos que entendemos que avançaram: 1) impossibilidade de a sentença condenatória ser fundamentada, exclusivamente, no reconhecimento fotográfico; 2) necessidade de o suspeito estar acompanhado de defensor; 3) vedar o uso de perguntas que possam induzir ou sugestão de respostas à pessoa que fará o reconhecimento; 4) assegurar a continuidade das investigações independentemente de uma pessoa ser reconhecida; 5) necessidade de o reconhecimento fotográfico seguir regras mais rígidas para evitar uma condenação precoce — afirmou Paim.
Legislação atual
O PL 676/2021 altera o capítulo do Código de Processo Penal (CPP) que trata do “reconhecimento de pessoas e coisas” no âmbito da produção de provas do processo penal.
Atualmente, o artigo 226 do CPP determina que:
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a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento é convidada a descrever a pessoa a ser reconhecida;
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a pessoa suspeita é colocada, “se possível”, ao lado de outras pessoas “que com ela tiverem qualquer semelhança”, “convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”;
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se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, “por efeito de intimidação ou outra influência”, não diga a verdade na frente da pessoa que deve ser reconhecida, “a autoridade providenciará para que esta não veja aquela”;
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determina, ao final, lavrar “auto pormenorizado” do ato de reconhecimento, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Projeto original
O texto original de Marcos do Val foi em grande parte aproveitado pelo relator. Uma das preocupações iniciais de Marcos do Val foi o grande número de inocentes condenados apenas com base em fotografias.
Em seu projeto, o senador informa que, de acordo com levantamento do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, 83% dos presos injustamente em razão de reconhecimento fotográfico são negros.
“Eles são as maiores vítimas desse tipo de erro. Eles têm o mesmo perfil: jovens, pobres e negros. São cidadãos brasileiros que estudam, trabalham e sustentam a família, mas acabaram presos injustamente”, ressalta ele.
O senador também aponta que, em muitos casos, o reconhecimento por fotografia acaba sendo a única prova na hora de apontar um possível criminoso — prova sujeita a equívocos e falhas.
O texto original alterava os artigos 226 e 227 do CPP, tornando obrigatório — não mais mera recomendação — que a pessoa cujo reconhecimento se pretende fazer deve ser colocada ao lado de ao menos outras duas parecidas com ela, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.
A proposta inicial de Marcos do Val também já previa a consignação em auto da raça declarada da pessoa que tiver que fazer o reconhecimento e da pessoa eventualmente reconhecida.
O projeto original também acrescentava o artigo 226-A ao CPP, definindo algumas cautelas a serem adicionadas ao reconhecimento, como a determinação de que as fotografias apresentadas à pessoa que tiver que fazer o reconhecimento sejam encartadas aos autos, em especial aquela da qual resulte o reconhecimento positivo; e a determinação de que, tão logo quanto possível, seja feito o reconhecimento presencial do suspeito.
Fonte: Agência Senado